O uso de testes sorológicos em peixes
- Guilherme Queiroz
- 3 de abr.
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Similar aos animais terrestres, os peixes contam com um sistema imune composto pela imunidade inata e adaptativa que atuam em conjunto na proteção contra diferentes agentes infecciosos ou toxinas. Considerada um componente essencial no combate inicial de patógenos, a imunidade inata é representada por barreiras físicas (escamas, tegumento, muco e trato gastrointestinal), fatores humorais (lisozimas, proteínas do sistema complemento e anticorpos naturais) e diferentes células (neutrófilos, natural killers e macrófagos). Por sua vez, a imunidade adaptativa atua a partir do contato prévio com o patógeno, sendo responsável por montar uma resposta especifica composta por fatores celulares (linfócitos T, B e macrófagos) e os humorais, no qual fazem parte as imunoglobulinas (Ig) ou anticorpos. Os principais anticorpos encontrados nos peixes são a IgM, IgD e IgZ/T, sendo a IgM o primeiro tipo de anticorpo a ser expresso e o mais abundante no soro dos peixes (Uribe et al., 2011, Buchmann e Secombes, 2022).
Baseado nisso, os anticorpos são um dos principais alvos de detecção dos chamados métodos sorológicos. Estes métodos são representados por diferentes técnicas que buscam detectar e/ou quantificar anticorpos e substâncias presentes em fluidos como o muco, soro e tecido dos peixes. O princípio associado à essa detecção resulta da ligação que ocorre entre os anticorpos do hospedeiro e o antígeno, por exemplo, patógenos (Jaramilo et al., 2017, Kibenge et al., 2016).
Tradicionalmente, os métodos sorológicos são constantemente empregados em animais terrestres para atender diferentes propósitos, tais como demonstrar a ausência de infecção por patógeno ou o progresso de um programa de erradicação de doença; certificar da ausência de infecção em animais antes de movimentá-los para outras regiões; estimar a prevalência de uma infecção no plantel; confirmar casos suspeitos de doença e demonstrar a eficácia de uma vacinação (Cullinane e Garvey, 2021). Nos peixes, relatos ocasionais utilizando testes sorológicos foram realizados a partir de 1960. Sugere-se que devido a presença de respostas imunes inespecíficas desses animais e opiniões negativas baseadas na discordância de resultados entre sorologia e métodos de detecção direta do patógeno (por exemplo, biologia molecular) para diagnóstico e vigilância de doenças nos peixes, foi concebido uma visão pessimista e um uso restrito dos testes (Jaramillo et al., 2017). Além disso, a falta de avaliação da performance dos métodos (sensibilidade e especificidade analítica, diagnóstica e outros) podem ter contribuído para seu uso limitado.
Contudo, após três décadas, ocorreu um crescimento acentuado no número de estudos sobre a utilização dos testes sorológicos em peixes, principalmente na pesquisa da resposta imune resultante do efeito de dietas imunomoduladoras; influência de parâmetros de qualidade de água (por exemplo, temperatura, pH, sólidos suspensos, salinidade e oxigênio dissolvido) na imunidade humoral e diagnóstico de patógenos (Jaramillo et al., 2017). Adicionalmente, alguns testes têm sido frequentemente utilizados na detecção e mensuração de títulos de anticorpos contra bactérias e vírus durante o desenvolvimento de vacinas e, ocasionalmente, na determinação do status vacinal, frequência de vacinação e até mesmo como método alternativo para teste de potência de vacinas comerciais para algumas espécies de peixes (Holten-Anderson et al.,2012, Liu et al., 2016, Romstad et al., 2014). Os métodos comumente utilizados, bem como o princípio de cada um deles e sua utilização em peixes estão descritos na tabela 1.
Tabela 1. Método sorológico, princípio da técnica e aplicação em peixes.
Método | Princípio | Aplicação |
ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) ou Ensaio de Imunoabsorção Enzimática | Reação antígeno-anticorpo detectada através do complexo de enzima e cromógeno. | - Avaliação da resposta imune humoral após vacinação. - Diagnóstico de doenças virais e bacterianas; |
Aglutinação | Formação de aglomerados entre antígeno-anticorpos visíveis a olho nu ou no microscópio. | - Avaliação da resposta imune humoral após vacinação.
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Fixação do Complemento | Reação antígeno-anticorpo detectada através de reação secundária com lise celular ou floculação. | - Titulação de anticorpos contra patógenos bacterianos. |
Soroneutralização | Ligação entre anticorpos e agentes viriais para inativação do efeito citopático do vírus. | -Monitoramento de doença viral.
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Teste de Hemaglutinação | Reação entre eritrócitos contendo antígenos na superfície e anticorpos, seguido da sedimentação e formação de aglomerados visíveis. | - Indicador de resposta imune adaptativa. |
Imunoflourescência | Reação anticorpo-antígeno detectada pela emissão de luz. | - Diagnóstico de infecção por patógenos bacterianos e virais. |
IDGA (Imuno difusão em gel de ágar) | Reação visualizada em uma matriz de ágar com zonas com precipitados de antígenos-anticorpos. | - Avaliação da resposta imune humoral após vacinação. - Detecção de anticorpos contra agentes virais. |
Análise de proteínas por Western Blotting | Reação antígeno-anticorpo ocorre através de membrana onde os componentes do antígeno são separados por uma eletroforese. | - Detecção de proteínas imunogênicas para desenvolvimento de vacinas. |
Fonte: Adaptado de Jaramillo et al. (2017).
Na prática, a utilização dos métodos sorológicos é realizada principalmente a partir da obtenção do soro de animais vacinados, doentes ou portadores de doença infecciosa sem sinal clínico, a fim de detectar a presença de anticorpos contra o patógeno de interesse. De maneira geral, o sangue do peixe é coletado por venopunção da veia caudal, submetido a centrifugação para separar o soro dos outros componentes contidos no sangue e, em seguida, utilizado nos testes como os descritos na tabela 1. A figura 2 ilustra de maneira resumida as principais etapas para realização de um teste sorológico (ELISA) em peixes.

Os testes sorológicos possuem diversas vantagens quando utilizados para atender diferentes propósitos, como diagnóstico de doenças e em programas vacinais. Primeiro, alguns testes não necessitam realizar eutanásia dos animais para coleta de amostra, principalmente em situações em que esta prática é inviável em alguns grupos de animais, como reprodutores, especialmente pelo elevado valor genético e econômico destes animais no cultivo. Permite também a avaliação de animais em larga escala para a detecção de peixes portadores que não apresentam sinal clínico de doença, sendo uma ferramenta ideal para programas de controle de doenças infecciosas. Além disso, nos programas vacinais, possibilita a avaliação de um mesmo animal em diferentes momentos de coleta de amostra.
Diante disso, os métodos sorológicos são ferramentas imprescindíveis para a avaliação da resposta imune humoral dos peixes no desenvolvimento de vacinas e nos programas vacinais, principalmente para detectar ou quantificar anticorpos produzidos contra o antígeno após a imunização. Rotineiramente, a Inata Biológicos utiliza testes sorológicos tanto em animais terrestres, como aves, quanto em peixes, principalmente na análise da resposta imune de animais vacinados com imunobiológicos em desenvolvimento e em estudos de eficácia vacinal de vacinas autógenas utilizadas a campo por meio de parceria com outros laboratórios.
Referências Bibliográficas
BUCHMANN, K, SECOMBES, C.J. Principles of Fish Immunology: From Cells and Molecules to Host Protection. In Principles of Fish Immunology, pp. 670, 2022.
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HOLTEN-ANDERSEN, L., DALSGAARD, I., NYLÉN, J., LORENZEN, N., BUCHMANN, K. Determining vaccination frequency in farmed rainbow trout using Vibrio anguillarum O1 specific serum antibody measurements. PLoS One, 7(11), 1–6, 2012. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0049672
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KIBENGE, F.S.B., GODOY, M.G., KIBENGE, M.J.T. Diagnosis of Aquatic Animal Viral Diseases, in: KIBENGE, F.S.B., GODOY, M.G. (Eds.), Aquaculture Virology. Academic Press, Kidlington, 49–75, 2016. https://doi.org/10.1016/c2014-0-00125-6
LIU, G., ZHU, J., CHEN, K., GAO, T., YAO, H., LIU, Y., ZHANG, W., LU, C. (2016). Development of Streptococcus agalactiae vaccines for tilapia. Diseases of Aquatic Organisms, 122(2), 163–170, 2016. https://doi.org/10.3354/dao03084
ROMSTAD, A. B., REITAN, L. J., MIDTLYNG, P., GRAVNINGEN, K., EMILSEN, V., EVENSEN, Ø. Comparision of a serological potency assay for furunculosis vaccines (Aeromonas salmonicida subsp. salmonicida) to intraperitoneal challenge in Atlantic salmon (Salmo salar L.). Biologicals, 42(2), 86–90, 2014. https://doi.org/10.1016/j.biologicals.2013.11.007
TORT, L., BALASCH, J.C., MACKENZIE, S. Fish immune system. A crossroads between innate and adaptive responses. Inmunologia, 22, 277–286, 2003
URIBE, C., FOLCH, H., ENRIQUEZ, R., MORAN, G. Innate and adaptive immunity in teleost fish: A review. Veterinární Medicína (Praha), 56, 486–503, 2011. https://doi.org/10.17221/3294-VETMED